O que de fato completa
Era sábado do primeiro mês do ano, a praia estava lotada e o Sol não decepcionava àqueles que estavam lá. Gringos simpáticos observavam o visual até então visto apenas em cartão-postal, realmente a praia naquele dia fazia jus à fama no exterior. Lindas mulatas desfilavam com seus pequenos biquínis de fabricação nacional, as cangas formavam um segundo mar colorido na areia, as pessoas estavam despreocupadas. Os “fiu-fiu” ainda eram os mesmos, as crianças corriam e brincavam em suas piscinas de plástico. Todos esses elementos juntos jamais me fariam imaginar o que viria.
Sem aviso prévio as pessoas começaram em uma agitação que eu jamais vira antes, as crianças choravam ao segurar em suas mães aflitas, os gringos demonstravam decepção e pânico. Todos corriam sem rumo enquanto um grupo enorme invadia a praia com sorrisos estampados em seus rostos, realmente parecia que o ato de roubar todos que estivessem em sua frente era prazeroso
–Arrastão! -Ouvia-se gritar.
Tratei de agarrar no braço de Dora, minha namorada, enquanto ela dissertava sobre as medidas que o governo deveria tomar para prevenir tal acontecimento. Junto de nós estava Ju, uma amiga muito próxima de Dora. Que linda morena! Para se ter uma ideia de tal beleza, no meio daquela correria eu conseguia ainda ter espaço na minha mente para prestar atenção naquele corpo seminu correndo sem pudor.
–Ai ai, e eu que pensava que havia visto de tudo,o que mais falta acontecer nessa praia? –Dizia Esmeralda, uma baiana que vendia vatapá e acarajé há anos no mesmo lugar, era tão respeitada que era capaz dos assaltantes pararem para comprar um prato invés de assaltá-la.
Conseguimos escapar com vida – mas sem carteira, celular e por pouco o biquíni da Ju, tentei imaginar o que um assaltante homem faria com ele, pois é, fui inocente a esse ponto.
Depois do arrastão cheguei à conclusão que minha atração pela Ju ia além do normal e além do carnal. Ju era inteligente, parecia comigo, nossas opiniões batiam – diferente de mim e Dora, que era o meu oposto. O que se fazer quando a pessoa que amamos não nos completa? E pelo visto nem o namorado de Ju a completava, um faxineiro do prédio em que ela morava. Uma vez ela me disse que estava com ele só por que o sexo era bom, vai saber né!
Ju não saía da minha cabeça, até mesmo enquanto eu estava com Dora, o fato da minha namorada ser meu oposto dava ainda mais alimento para esses pensamentos proibidos. Sinceramente, se eu pudesse escolher, seria Ju a vencedora. Mas o coração é quem manda, e o coração não tem balança para medir afinidade. Até porque, se eu me apaixonei por Dora é que algo tínhamos em comum, só faltava descobrir o que.
O telefone tocou. Era Ju: –Neto, preciso falar com você agora! - Falei que não podia, estava ocupado. Ela insistiu dizendo que era urgente. Marquei de me encontrar com ela lá em casa, vinte minutos depois ela chegou. Estava completamente abatida, olhos inchados e vermelhos. Preocupado perguntei o que tinha acontecido, ela chorando disse que Dora havia percebido minha atração por ela e que de tão desnorteada parou em um bar e fez o que os feridos fazem, bebeu até não aguentar. Ninguém a impediu de voltar para casa dirigindo, ou pelo menos tentar voltar.
–Chega! - eu disse chorando.
Já havia entendido tudo, não queria ouvir a frase que eu mais temi naquele momento, até que ela não aguentou e disse que Dora havia quebrado o pescoço com o impacto da batida, não teria como resistir.
A dor que eu senti me fez perceber que o que tínhamos em comum valia mais do que qualquer semelhança que houvera entre mim e Ju, nós nos amávamos, e isso era o que importava. Passaram dez anos desde então, nunca mais encontrei alguém tão parecido comigo quanto Dora.